A
gora, presa em meus míseros dezessete anos terei que me virar para conseguir fazer algo que nem sei se é possível. Mas como dizem, a esperança é a última que morre, porém a primeira que mata.

No meu caso a segunda parte do ditado não tem serventia.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

5. Agora é tudo novo de novo

Eu não conseguia acreditar que Miguel havia feito uma coisa dessas comigo. É assim que ele cuida de mim? Já vi que daqui para frente a vida vai ser cruel comigo. O que ele tem na cabeça? Cérebro tenho certeza que não é! Como ele pôde me matricular em uma escola pública? E outra, vou ter que trabalhar! Deve ter algo errado. Ele vai ter que fazer alguma coisa!
Olhei para o novo uniforme morrendo de saudade do antigo. Foi só lembrar do uniforme que meus olhos se enchem de lágrimas. Lorenzo o adorava. Nossa, como ele fazia falta! O que ele diria desse novo uniforme? Era só uma blusa horrenda que em menos de duas semanas estaria cheia de bolinhas. Para piorar era branca com um símbolo tosco na lateral. Me vesti sem ânimo, peguei o material que havia sido providenciado pelo próprio Miguel e saí a procura da escola.
Cheguei dez minutos atrasada no primeiro dia de aula. Culpa dele que não deixou o endereço ou um ponto de referencia! Chegar na sala e ter todos os olhares voltados para mim não seria nada legal. O porteiro me deixou entrar e disse que eu teria que passar na Coordenação antes de ir para a aula. Fui até o local indicado e paro abruptamente na porta ao ver o homem que provavelmente iria me dar uma bronca pelo atraso.
— Bom dia! Em que posso ajudá-la?
— Sou aluna nova, cheguei um pouco atrasada e mandaram eu procurar a Coordenação.
— A coordenadora não está. Sou Samuel, o diretor. Você está com o comprovante de matrícula?
— Seria esse papel? – eu retiro uma folha que estava dentro do caderno e que pelo que Miguel deixou avisado era para ser assinado pelos professores e devolvido para a Secretaria. Entrego para ele e espero a resposta que não tardou.
— Sim Paola. Agora vá para a sala, por favor. Por ser seu primeiro dia o atraso está perdoado.
Mudaram meu nome sem meu consentimento? Já não bastava eu estar ruiva de olhos acinzentados? Eu estava muito bem de cabelos loiros e olhos verdes. Agora eu fiquei literalmente aborrecida! Paola? Não pode ser... Erraram o papel, esse daí não é o meu. Abri meu caderno mais uma vez para olhar os dados pessoais e tirei a conclusão: a partir de agora eu era Paola. Eu teria um pequeno acerto de contas com Miguel assim que o encontrasse.
— O senhor poderia me informar onde ela fica, por favor?
— O Senhor está no céu. – ele diz de forma programada. Balança a cabeça como se misturasse os pensamentos e continuou. - Desculpe minha indelicadeza. Acompanhe-me!
Bem, se eu não entendi errado ele não quer ser chamado de senhor. Menos mal, pois eu não costumava fazer isso. Ele me leva até a sala, pede licença para a professora e diz:
— Bom dia! Vou atrapalhar um pouquinho a aula, mas é por uma boa causa. Vim apresentar a nova colega de classe de vocês.
— CARNE FRESCA, GALERA! – um engraçadinho do fundão grita. O diretor olha meio torto para o garoto, me empurra delicadamente para dentro da sala e prossegue.
— Essa é Paola Horst. Espero que ela se sinta bem aqui com vocês. – observa a turma com uma expressão indecifrável e sai após sussurrar um “Com licença”.
— Olá Paola! Seja bem vinda. Sou Andressa, professora de Filosofia. Espero que goste da escola e, principalmente, da turma. Agora vá se sentar.
Procurei por um bom lugar, mas eu só tinha duas opções: em frente a uma garota loira com um rosto angelical ou ao lado de um garoto meio medonho. Optei pelo lugar em frente à menina, era o jeito mesmo. A professora dá continuidade à aula, demonstrando a cada palavra sua paixão pela Filosofia e isso era cruelmente chato. A loirinha que estava atrás de mim me passou um bilhete e eu, curiosa, tratei de ler.
“Oi Paola! Seja super bem vinda. Não deixe se levar pelas aparências, pois a turma é bem bacana. Espero que possamos conversar melhor depois da aula, você parece ser legal. De sua futura amiga, Diana.”

A menina era simpática. Isso é realmente muito bom. Eu teria alguém para me mostrar a escola e para papear durante o intervalo. Virei o papel e em resposta escrevi.

“Olá Diana! Obrigada pela atenção. Ainda não consegui formar uma opinião sobre a turma, então, não se preocupe. Te vejo no intervalo.”

Passo o bilhete para trás, pego o documento que a professora deveria assinar e vou entregar a ela. Quando ela me devolve o papel o sinal toca. É tão ruim não saber a grade horária. Que aula seria agora? Me sentei e aguardei. Não demorou muito para que um homem alto, forte, de cabelos negros bem abaixo dos ombros presos por um elástico, dono de uma beleza inigualável, entrar dizendo um “bom dia” acompanhado de um sorriso mais que perfeito. Olhei para aquele ser e a imagem de Enzo torna a dominar minha mente. Ainda não existia homem mais lindo que ele neste planeta. Por que eu teria que viver sem ele? Que droga! Tentei voltar o foco para a aula, que por sinal não havia iniciado. O professor me viu e, para me expor um pouco mais exclamou:
— Aluna nova! Maravilha. Já foi apresentada à turma?
— Sim, o diretor tratou de fazer isso ao me trazer.
— Ótimo! Sou professor de Língua Portuguesa. Meu nome é Rafael. Não vou te dizer a frase boba que costumam falar por que gosto de originalidade. Boa sorte em sua nova fase, e espero que possamos te ajudar em sua missão aqui na Terra.
Cruzes! Ele falou como se soubesse de alguma coisa. Não, não! É só minha imaginação. Respondi com um sorriso sem graça e desconfiada deixei minha mente fluir durante as explicações. Literatura era muito interessante, principalmente o Romantismo. Ele até que era um bom professor. Quando estavam faltando poucos minutos para acabar a aula repeti o ritual que haveria de ser feito até eu coletar todas as assinaturas.
A terceira aula não demorou a passar, não sei por que, mas Artes é a aula que sempre me distrai. A professora era meio sem graça, não sabia o que fazer e então nos levou para o pátio e pediu para desenhássemos o que achássemos mais interessante por lá. Tinha um pequeno jardim e ele me encantou. Desenhei-o e ao entregar coloquei a folha de assinaturas junto para adiantar o serviço. Viviane olhou meu desenho e ficou admirada por eu ter sido tão detalhista. Assinou o documento e disse que eu estava liberada da aula.
Me dirigi a um banco próximo ao bloco onde ficavam os setores importantes da escola. Fiquei pensando, distraidamente, até o professor Rafael se sentar ao meu lado e perguntar.
— E aí? Já encontrou alguém que possa lhe ajudar?
— Como assim? – esse cara não é normal...
— Você sabe! Não pode fazer o serviço sozinha, vai precisar de pelo menos um companheiro fiel...
— Eu sinceramente não estou compreendendo! – eu já estava ficando nervosa, o que é que ele sabia?
— O ano letivo não vai ser tão fácil. Você precisa se enturmar, pois os trabalhos geralmente não são individuais.
Respirei fundo, revirei os olhos e esbocei um leve sorriso. Ele está conseguindo me assustar.
— É... Eu realmente vou precisar de companhias.
— Tenho duas indicações. Seriam três se você já não estivesse começando a falar com Diana. São dois rapazes bacanas: Yuri e Alexsander. Ótimos alunos e acho que vocês podem formar um grupo legal. É uma pena que o terceiro ano é o mais ligeiro.
O sinal toca anunciando o intervalo, Rafael pede licença e sai. Diana não demora muito para aparecer.
— Oi! Pronta para conhecer a escola? É pequena, mas tem muito que ser visto.
— Vamos! Vai ser mais fácil conversar fazendo um tour do que sentadas nesse banco.
Passamos os míseros quinze minutos de intervalo nos conhecendo. Como eu havia sido treinada por Miguel, não errei nenhuma frase da minha biografia criada por ele. Eu me espantei com algumas coisas que tive que falar, mas não foi nada tão traumatizante. Diana também falou bastante sobre a vida dela. Como eu, ela era órfã, porém não era infeliz como a maioria das pessoas que ficam sem ninguém. Havia feito várias coisas bizarras e nunca conseguiu se livrar de sua tutora. Sorte a minha de ter tido um tutor mais-que-perfeito como Enzo! Ih! Será que eu teria um tutor ou uma tutora? Aliás, o que Miguel ainda iria aprontar comigo?
Diana não conteve a curiosidade e acabou perguntando o que o professor de Português queria quando conversou comigo. Expliquei a ela que ele havia falado sobre os garotos que poderiam se juntar a nós duas. Eram Yuri e Alexsander.
— Ah! Eles? São bacanas, quer conhecê-los?
— Não custa nada!
Voltamos para a sala e eles estavam lá, discutindo sobre a forma oficial de preconceito expressado no sistema de cotas das Universidades públicas. Diana se aproximou de um jeito delicado, pigarreou e aguardou por um momento de silêncio deles. Como não sei quem é quem, o garoto mais desinibido tratou de não nos deixar esperando muito.
— Olá meninas! Paola? Sou Yuri, é um prazer conhecê-la!
— E eu sou Alexsander, mas passaram a me chamar de Alex ou Lex. Seja bem vinda!
— Obrigada.
— Meninos, por que não formamos um grupo?
— Será uma honra!
— Aprovadíssimo!
O sinal toca: fim do intervalo. Voltei ao meu lugar e pedi a grade horária para Di. A aula seria Física.
— Bom dia! – o professor entrou dizendo. Ele não é tão bonito, porém parecia ter um charme único. Ajeitou o material em sua mesa olhando para a turma e ao me ver sorriu. Diana se aproximou de mim e em tom baixo me alertou:
— Ele só vai conversar contigo quando você for entregar o documento para ele.
— Ufa!
A aula passou lentamente. Enquanto fazíamos alguns exercícios ele começa a fazer a chamada e quando ele estava para fechar o diário fui lá entregar o papel e esperei.
— Tudo bem Paola? Veio de que escola?
— Estou bem, obrigada. Vim do Colégio Militar.
— Hum... E por que saiu de lá?
— Eu preferi terminar o último semestre em regime semi-aberto. - respondi com certa ironia. Ele deu uma leve risada, me devolveu o papel e disse.
— Se precisar de alguma coisa estou aqui!
Gelei. Ele usou a mesma frase que Lorenzo costumava me dizer antes de se afastar de mim. Meus olhos começaram a arder. Eu ia chorar! Voltei depressa ao meu lugar e tentei me controlar.
Estou vendo que vai ser muito difícil eu me acostumar com essa fase.

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