A
gora, presa em meus míseros dezessete anos terei que me virar para conseguir fazer algo que nem sei se é possível. Mas como dizem, a esperança é a última que morre, porém a primeira que mata.

No meu caso a segunda parte do ditado não tem serventia.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

1. Isso seria sorte?

Sabe aquele dia que você não está nem um pouco disposta a levantar da cama? Esse é um deles. Eu não estava com nem um pouquinho de vontade de ir para a escola. Tudo bem que a primeira aula de hoje irá deixar qualquer garota bem humorada, mas nem o professor mais lindo do colégio estava me entusiasmando a sair de casa. Eu estava com um pressentimento muito estranho e o sonho que tive esta noite não ajudava muito. Meus pais faleceram antes mesmo de eu aprender a falar “adeus” e só faltavam alguns meses para eu atingir a maioridade e poder me virar com o que eles deixaram para mim. Eu sempre tive tudo o que eu quis menos a sorte de conhecer o verdadeiro significado da palavra família... Eu não queria me juntar a eles tão cedo assim. Tenho muita vida pela frente.
Mas voltando ao meu desânimo para ir à escola, eu duvido que a Miriam vá me deixar ficar no aconchego da minha cama. Miriam é a minha atual governanta. Com seus 27 anos e jeitão de menininha fica difícil receber e obedecer a ordens dela... O único que eu obedeço sem protestos é o Lorenzo. Ele cuida de mim desde o dia que nasci e é o meu tutor... Foi só pensar no “anjo” que o “deus” aparece. Ele bateu na porta, pediu licença com aquela voz que me deixa toda arrepiada e entrou. Pela expressão dele deu para ver que ele havia percebido que eu estava decidida a ficar em casa.
— O que houve? Você não parece estar nada bem. – ele sussurrou ao sentar ao meu lado.
— Não quero sair. Estou com um pressentimento estranho. Sei lá, algo me pede para ficar em casa.
— Mas o ano letivo está quase acabando, você não pode pegar o hábito de matar aula, não é?
— Os alunos geralmente matam a aula para não matar o professor. No meu caso, é para eu não morrer.
— Como assim? – ele me olha assustado como estivesse vendo um sei lá o que na sua frente e torna a perguntar: – Você morrer? Eu sinceramente não te entendi!
— Tive um sonho meio embaralhado... Alguém me chamava, dizia que precisava da minha ajuda e depois meus pais apareciam lamentando perante um túmulo... Eu não gostei disso. – disse isso com lágrimas quase saltando dos olhos por pensar que eu poderia não mais ver aquele belo rosto do meu guardião... Eu detesto assumir isso, mas ele é a minha única razão de viver... Eu não poderia perdê-lo, não mesmo... Tentei me recompor e aguardei por algo da parte dele.
— Não faz assim! Vou acabar perdendo a linha... Quero dizer... – ele pigarreou, parou por um momento como se estivesse se perguntando “Eu falei isso alto?”, respirou fundo e continuou. – Vou acabar me convencendo de que você não está em condições de ir para a escola.
— Bem... Eu gostaria que você se desse por vencido. Não quero ir!
— Não vai acontecer nada. Ande, vou sair para você poder se trocar. Não demore! – dizendo isso ele deu uma piscadinha animadora e se retirou.
Dirigi-me ao banheiro para tomar uma ducha. Enquanto o fazia, mentalizava as roupas que deveriam ser utilizadas. Eu não gosto muito do uniforme, porém o coloquei na minha lista do dia. Terminei rapidamente, me vesti e utilizei uma maquilagem leve, apesar de não precisar, para realçar minha quase perfeição. Não que eu seja orgulhosa, mas levo algumas coisas que me falam a sério.
Desci as escadas calmamente e me dirigi à copa para tomar meu café da manhã. Enzo estava me esperando, e quando me aproximei ele me observou da cabeça aos pés. Eu adorava isso! Meu sangue fervia sob aquele olhar imaculado... Sentei-me a frente dele e tentei comer alguma coisa.
— Kris, você realmente não gosta desse uniforme? – ele me perguntou de repente.
— Não, por quê?
— Você é muito complicada mesmo...
— Novidade!
Ao dizer isso, voltei a prestar atenção em minha salada de frutas. Terminei rapidamente e subi para finalizar meu “look”.
Resolvi ir a pé. Estava com medo. Não queria nada que me trouxesse riscos. Enzo foi comigo para garantir minha segurança. Estávamos a poucos metros da escola quando vi minhas amigas me chamando fervorosamente. Enzo não iria atravessar comigo, porém esperaria eu entrar. Acenei para elas em resposta e me dirigi lentamente à faixa de pedestres.
A pista estava sossegada, como sempre. O tráfego àquela hora da manhã era apenas de adolescentes chegando. Quando dei o terceiro passo em direção ao outro lado, eis que um carro preto voa em minha direção. Quando o automóvel começou a frear, eu já estava no chão sentindo o calor da roda frontal a alguns centímetros de distância da minha cabeça. Ao parar, desviou do meu corpo sensível e arrancou em fuga. Eu não gritei, não chorei, não entrei em pânico... Apenas me deixei levar pela sensação de “quase morri” daquele instante.
Para me tirar daquele transe tentei prestar atenção no que estava acontecendo ao meu redor. Todos os alunos da escola estavam do lado de fora tentando adivinhar, ou ao menos enxergar, meu estado naquele momento. Lorenzo estava quase terminando de atravessar a multidão. Eu fiquei meio com raiva por ele não estar ali há mais tempo. Por só agora conseguir chegar mais perto de mim. Eu queria sair daqui! Queria ir para casa. E queria ele perto de mim...
Ele, sem dizer nada, me pegou no colo e andou rapidamente em direção ao nosso carro que já estava a nossa espera. Pôs-me no banco de trás, se sentou ao meu lado e acenou para o motorista. Permaneceu mudo o resto do caminho e isso me deixava com os nervos à flor da pele. Acabei apagando e só acordei depois, já em minha cama. Para mim foi questão de minutos, porém ao olhar no relógio eu havia dormido por horas. Lorenzo estava sentado na poltrona que fica próxima a minha cama e quando percebeu que eu havia despertado levantou velozmente e se sentou ao meu lado.
— Está em condições de falar?
— Creio que em condições de perguntar. Que Honda era aquele?
— Como sabe que era um Honda?
— Freios ABS e o “H”. Era o Civic LX ou o EX?
— O LX.
— Já descobriram de onde ele surgiu?
— Ainda não... Vão fazer uma varredura.
— Qual é a placa do carro?
— Não sei! Não deu para ver. Nós vamos fazer uma investigação, depois te daremos uma resposta. Vamos ver se conseguimos fotos do carro tiradas por alguém que presenciou o acidente. Se não, vai demorar mais do que o esperado.
— Ótimo! Até vocês descobrirem já jogaram uma bomba na minha cabeça.
— Você pode ficar calma? Não vai demorar tanto assim! É questão de conseguirmos o material para análise... Relaxa!
— Tudo bem. Me faz um favor? Acho que ainda estou com sono, você poderia iniciar a busca enquanto durmo?
— Sim. Bom sono. – dizendo isso me deu um beijo na testa e saiu.
Eu não iria dormir. Só queria ficar sozinha. Liguei meu computador e comecei o meu serviço. Não foi difícil acessar as câmeras de segurança da escola. Vasculhei os últimos arquivos e lá estava. A gravação estava muito ruim por causa da qualidade do equipamento e da distância, mas dava para ver que uma garota havia sido atropelada. Peguei algumas imagens do carro, ampliei, tentei decifrar o borrão que seria a placa, nada... Vi algo que parecia com a letra “K” nas iniciais e o resto eu não consegui entender. Peguei meu celular e liguei para meu colega de classe, o Léo. Ele havia presenciado tudo e acho que ele poderia ter fotos. Não deu nem três toques e ele atendeu.
— Viva, não é? Ou é só seu fantasma, para me cobrar o trabalho de Filosofia?
— Oi! Não, não... Estou vivinha... Você tem alguma foto do acidente?
— Algumas. Estava preocupado com você... Não foram muitas, mas você quer?
— Claro! Mande-me agora, se puder!
— Pode deixar! Agora vou desligar, tenho que ir para a aula. Tchau!
— Obrigada, tchau...
Só foi ele desligar que me chega um e-mail com as fotos. Estavam boas, só que das cinco apenas uma tinha o que eu queria. Lá estava a placa do danado... Comecei a busca pelo proprietário do veículo. Vários minutos de pesquisa e nada constava... Resultado: placa inexistente. Muito bom! Atropelada por um assassino de categoria... Isso era realmente muito legal. Meu celular toca. Número restrito.
— Pronto?
— Admirada por não encontrar nada sobre o carro?
— Não. Decepcionada, talvez...
— Você nem imagina o que está por vir.
— Legal, adoro surpresas!
— Se eu fosse você tentaria não gostar. Tome cuidado. A vida é curta para algumas pessoas!
— Eu não ia perguntar, mas, quem é você?
— Aguarde e saberá. - disse isso e me deixou escutando o “tututu” do telefone.
Eu não estava mais com medo. Estava com raiva. Quem era aquele homem? O que ele queria? Por que eu? Tentei me concentrar e pensar em algo útil. Agora eu tinha que descobrir do que se tratava.
Já passava das 19h30 e nada do Lorenzo aparecer. Levantei e desci em direção à cozinha. Estava com fome. Miriam esbarra comigo no meio do caminho e me olha com espanto.
— Você está bem Kris? Fiquei preocupada!
— Tão preocupada que nem subiu para ver como eu estava!
— Lorenzo pediu para não te perturbar. Disse que você estava dormindo.
— Desobedecer ele de vez em quando é bom! Você anda mostrando que sua atenção é totalmente voltada para ele e não para mim...
Eu detestava ter que fingir, mas eu tinha que tentar colocá-la nos eixos... Era fingimento, pois eu não ligava muito se ela estava ou não preocupada comigo. Enzo sim era importante para mim. Cheguei à cozinha e ele estava lá, pensando, com um copo de leite entre as mãos. Aproximei-me silenciosamente e o surpreendi com um beijo na orelha.
— Você já está aqui!? Dormiu bem?
— Sim! O que você ficou fazendo?
— Pensando com meus botões... Tentei imaginar quem poderia estar por trás daquele acidente, mas não me veio ninguém em mente...
— Conseguiu as fotos?
— Sim, mas não temos nada. A placa parece ser inexistente.
— Com quais letras começa?
— Se não me engano “GJI”...
— São Paulo?
— Sim, por quê?
— Nada não... Só achei estranho. Bem, vou atrás da Anita, estou com fome.
— E eu vou continuar meu serviço. Qualquer coisa você já sabe. - disse isso e desapareceu do meu foco de visão.
Era impossível! Agora pouco o carro era do Rio de Janeiro e agora é de São Paulo... Tem alguma coisa errada... A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: eles são realmente profissionais! Como que mudaram de placa se nem pararam o carro? Anita não estava por perto, então pedi uma pizza. Enquanto meu lanche não chegava pensei um bocado e lembrei-me do meu amigo Nicholas. Ele é um super cineasta, misterioso, mega inteligente, bonitão, e vive seus dias como se fosse o último. Pouco nos falávamos, porém quando parávamos para conversar... Só algo muito importante nos interrompia. Procurei pelo nome dele na minha lista de contatos e lá estava... Liguei e não deu nem um toque para ele atender.
— Fala gatona! Tudo bem?
— Oi bebê! Tranquilo, e você?
— Tudo ótimo! E aí, o que é que você manda?
— Preciso me aproveitar da sua bondade, isso se eu não for atrapalhar!
— Você não me atrapalha nunca lindona. Pode falar!
— Estou com uma dúvida gigante me martelando! Como é que um indivíduo troca a placa de um carro sem pará-lo ou sem ao menos descer dele?
— Dependendo da categoria do indivíduo, existe um esquema que ele coloca no veículo para trocar a placa durante uma fuga ou algo do gênero... Mas isso é coisa de ladrão profissional... Não é fácil de achar. Por quê?
— Nada de tanta relevância. E como fazem para utilizar placas inexistentes?
— Pesquisam! Para que serve o DETRAN? Isso é moleza para eles, principalmente se tiver algum infiltrado lá.
— Quero que me prometa uma coisa...
— Qualquer!
— Tem certeza?
— Absoluta!
— Se acontecer alguma coisa comigo você vai dar todo o apoio do mundo para o Enzo... Vocês não se conhecem direito, mas o tempo é o melhor remédio.
— Prometo! Mas, por que você está dizendo isso?
— Sei lá! Deu vontade...
— Menina doidinha!
— Hombre fatal! Deixa eu continuar com minhas investigações... See you!
— Hasta la vista!
Ai se eu pego ele! Mas, pedofilia é crime e eu não quero vê-lo atrás das grades por minha causa... Recomponha-se garota! Ando muito... Convenhamos! Voltando ao assunto do carro... Eu estava frita. Primeiro, um atropelamento. Segundo, ameaça por telefone. O que estaria por vir? A campainha toca. Corro até a porta, paro, respiro fundo e abro.
— Sua pizza, senhorita!
— Ah! Muito obrigada! – entrego uma nota de cinquenta para deixá-lo feliz. – Pode ficar com o troco!
Mais um susto desse eu infarto... Subi com minha pizza e assisti um dos meus filmes favoritos pela trilionésima vez. Não sei por que, mas ele é muito inspirador. Só podiam ser americanos mesmo! Roubo de carros não tinha nada a ver com assassinato, mas as manhas que só um bom observador enxergava eram impressionantes. Organizei minha bagunça, olhei a hora, já passavam das 23h, e fui dormir. Amanhã tinha aula e eu não queria faltar mais uma vez...
Eu detestava quando o meu celular me assustava pela manhã. Se existe despertador mais escandaloso que o meu, por favor, me apresente! Levantei-me, morrendo de preguiça, e fui tomar banho. Desci quase me jogando escada abaixo para ser mais rápido, e flagrei Miriam se insinuando para o Lorenzo. Deu-me vontade de voar no pescoço dela, mas me contive e fui até Anita, que por sinal já havia preparado meu café da manhã. Peguei meu prato, me dirigi até a mesa onde eles estavam, me sentei bruscamente e comecei a comer, silenciosamente.
— O que foi meu bem? Aconteceu alguma coisa? – Miriam me perguntou com uma voz bajuladora que me irritava.
— Não, nada não. - por dentro minha resposta era “Tirando o fato de você ter nascido, acho que nada!” – Vamos sair que horas, Enzo?
— As sete, como sempre, por quê?
Balancei a cabeça e continuei a comer. Finalizei e subi correndo, Enzo foi atrás. Entrei em meu quarto, tranquei a porta e fui organizar meu material.
— Kris, abra a porta, agora!
Eu queria ignorar, fingir que ele não estava ali, mas não dava. Terminei de me arrumar e abri a porta antes que ele a derrubasse. Ele entrou, fechou-a, me puxou pelo braço, me encostou na parede, olhou em meus olhos e disse:
— O que está acontecendo? Você e a Miriam se davam muito bem! Foi só ela começar a demonstrar seu carinho por mim que você se revoltou. EU TE AMO!– ele para e dá um longo suspiro. — VOCÊ É A MINHA VIDA E EU NÃO TENHO OLHOS PARA MAIS NINGUÉM! ISSO É TÃO DIFÍCIL DE ENTENDER?
Fiquei sem reação. O que é que ele tinha? Pelo menos agora eu já sei que ele me ama. Não que eu não soubesse, mas agora ele havia provado. Ele se afastou bruscamente e ficou de costas para mim respirando fundo. Eu não sabia o que fazer e simplesmente fiquei parada, esperando alguém quebrar o silêncio. Eu nunca havia ficado sem uma resposta, nunca deixei de rebater ninguém e agora eu estava muda. Pensei por um instante, fui até ele e agi. Agarrei-o com toda a vontade que estava reprimida e beijei-o como se eu fosse morrer naquele instante. Em resposta, ele me olhou nos olhos, sussurrou um “Eu te amo” magnífico e voltou a me beijar fervorosamente. Nosso motorista o chama pelo rádio, quebrando o clima, e Enzo sai sem dizer mais nada. Pego minhas coisas e vou atrás, como um cãozinho fiel ao seu dono.
A primeira aula era de Química. A professora estava bem humorada naquela manhã. A aula passou lentamente. Pouco conteúdo, muitas perguntas sobre o ocorrido... Não tive paz nos primeiros minutos de aula. Mas tudo ocorreu muito bem até a segunda aula.
Era Artes. Nada de bom humor apesar do professor ser o mais alegre do colégio. Não sei por que, mas eu estava com uma vontade imensa de sair da sala. A aula estava legal, mas eu estava ficando entediada. Pedi ao professor para eu ir beber água e saí corredor a fora. Caminhei o mais devagar possível, porém estava começando a querer correr. Tinha a impressão de que havia alguém me seguindo e isso não era legal. Parei perante o bebedouro e fiz o que havia dito que faria. Foi tudo muito rápido. Eu me inclinei, bebi um pouco de água e quando eu ia me levantar senti uma mão segurando um pano para me asfixiar. Tinha um cheiro bom, mas desmaiei em questão de milésimos de segundo.
Acordei em uma sala muito estranha. Muito bonita, mas assombrosa. Móveis luxuosos, decoração muito bem feita, porém tinha um ar bem apavorante. Eu estava louca para gritar, mas me contive. Olhei ao meu redor e não tinha nem sinal de companhia. Onde eu estava? Que lugar era aquele? Uma porta se abre e um homem espantosamente lindo acompanhado de outros dois bonitões se dirige até o divã onde eu estava quase sentada.
— Bom dia! Você está bem?
Uau! Que voz era aquela! Era tão perfeita que me deixou completamente extasiada. Sabendo que se eu fosse falar naquele momento iria gaguejar apenas balancei minha cabeça confirmando meu estado. Sentei-me e esperei.
— Acho que você já deve saber quem sou eu.
Ele começou a passear pelo local e um de seus homens se sentou perante o extraordinário piano de cauda que estava lá e deixou que seus dedos se divertissem sob as escadas compondo assim uma melodia encantadora e melancólica. Já o outro pegou o celular e fez uma ligação. Não demorou muito para o receptor atender e o nome que foi chamado me fez gelar. Ele estava falando com o meu Lorenzo?
— Estamos com sua menina e para tê-la de volta terá que pagar por um preço muito alto... Ah! Você está disposto a tudo? Que coisa melosa! Muito bem, você terá que ser muito obediente a partir de agora. Encontre-me na Catedral hoje às 23 horas... Admirado? Achei que você iria gostar do cenário... Que pena! Não pensamos em um “Plano B”... Por que aqui? Apenas questão de segurança! Estarei no terceiro banco, à direita na fileira do corredor, próximo ao altar. Nada de polícia e nem de companhias. Apenas você... Quanto levar? O preço discutiremos no nosso encontro, se você se comportar. Até breve.
O homem que estava passeando na sala parou, olhou para o que fez a ligação e aguardou alguma coisa.
— “Eu faço o que for necessário! Estou disposto a tudo.” Poxa Gabriel! Não tinha um cara menos meloso com quem eu pudesse marcar a devolução? Esse Lorenzo é muito nojento.
— Deixa de ser chato! Ele ama essa menina. Como é que ele não ficaria desesperado?
Ele se aproximou, se sentou ao meu lado no divã e perguntou:
— Você dormiu bem ou dois dias não foram suficientes? Você está com uma cara péssima. — ironizou. — Ah! Está me surpreendendo! Nunca vi ninguém ser sequestrada e não entrar em pânico. Muito interessante. Théo, por que você não busca o café da manhã de nossa convidada? E Pablo, toque algo menos triste, não estamos em um velório. Ou melhor, pare de tocar e cuide dela.
— Será uma honra!
Ele deixou o piano de lado e veio em minha direção. Gabriel levantou e se sentou perante uma escrivaninha que estava em um canto da sala. Ligou seu notebook e lá ficou. Pablo se acomodou ao meu lado e tentou puxar conversa.
— Não somos tão maus, não é? A maioria dos sequestradores torturam e não são nem um pouco gentis. Nós pelo menos estamos cuidando de você.
— O que vocês querem? Por que eu? – eu ia bombardeá-lo de perguntas, mas ele pôs o dedo indicador em meus lábios me interrompendo.
— Calma! Sou apenas um. Primeiro: queremos dinheiro. Segundo: não te escolhemos aleatoriamente. Você tem história e bastante gente que se preocupa contigo. É linda, meiga, bem, preenche parte dos nossos requisitos, ou melhor, dos requisitos do Gabriel. Mais alguma pergunta? Mas por favor, uma de cada vez...
Eu não tinha mais vontade de perguntar, mas queria escutá-lo falando. Ele não podia ser um criminoso. Como? Com uma voz daquela e aquele jeitão de galã podia estar fazendo algo mais interessante! Ele é pianista. Por que não se dedica à música? Eu tinha que perguntar mais alguma coisa.
— Que horas são?
Ele me fitou com carinho, olhou para o relógio e respondeu de tal forma que me arrepiou até os fios de cabelo que ainda estão pensando em nascer.
— São exatamente 10 horas e 31 minutos. E hora de você comer alguma coisa.
Théo chega com uma bandeja bem charmosa e coloca-a em cima da cama que estava logo atrás de mim. Vendo meu desinteresse balança a cabeça como se dissesse “Vai!” e, preguiçosamente, atira-se no sofá ligando a TV. Eu, obediente, tratei de olhar o que havia sido trago. Quando apreciei, percebi o quanto estava faminta e comecei a comer, silenciosamente. Pablo estava observando cada movimento que eu fazia e eu comecei a fazer o mesmo. Ele é mais atraente do que eu imaginava. Parece ser dono de milhões de segredos que só uma pessoa no mundo além dele poderia saber.
— No que você está pensando? – ele me perguntou curioso.
— Estou tentando calcular o seu grau de mistério. Você parece ser muito interessante.
— Não mais do que você.
— Você tem algo muito singular, sei lá, um brilho diferente...
Ele passou a mão nos cabelos tentando ajeitar algumas mechas fora do lugar e foi aí que percebi algo a mais. Ele tinha uma cicatriz que ia desde o meio do punho até o início da mão. Ela tinha um formato meio estranho, mas relevante.
— O que foi com o seu punho?
— Isso nem eu sei.
— Hey! Quando eu disse que era para cuidar dela me esqueci de avisar que ela voltaria a dormir logo. Théo, por favor... — disse acenando em minha direção.
Logo após a ordem de Gabriel ele veio até a cama, retirou a bandeja e me deu um copo de suco. Foi só eu terminar que o sono me dominou.
Acordei com o balançar do automóvel seguindo para um destino desconhecido para mim. Minha cabeça estava recostada sob o ombro de Pablo e, quando ele percebeu que eu havia despertado, rapidamente me endireitei para não dar o gostinho a ele.
— Já estamos a caminho da Catedral. Preparada para o “Gran Finale”? – Gabriel questionou com curiosidade.
Eu preferi não responder. Não sabia o que estava por vir, então fiquei quieta. Seguimos calados até o ponto marcado. Gabriel parou o carro, esperou Théo descer e seguiu dirigindo. Para onde iríamos agora? Pablo olhou para mim e, percebendo meu espanto tentou me explicar.
— Faz parte do plano. Estamos indo para o Templo da Boa Vontade. Vamos ficar com você lá até Théo e Lorenzo aparecerem. Se algo der errado, aí não sei de mais nada.
— Pare de dar explicações! Assim ela vai ficar sabendo até do que não deve.
Acomodei-me melhor no assento do carro, fechei os olhos e tentei não pensar em nada, porém foi inútil. Chegamos ao Templo e Gabriel desceu rapidamente do carro abrindo minha porta. Logo em seguida, Pablo saiu e estendeu sua mão para me ajudar. Seguimos para o interior do local e, ao entrarmos, Gabriel me pegou pelo braço e me dirigiu até uma cadeira que estava no centro do Templo, me algemou nela e desapareceu. Pablo simplesmente sentou-se em um banco próximo, situado em um ponto escuro que o deixava mais misterioso ainda. Não demorou muito para Théo aparecer, ele entrou armado e acompanhado de Lorenzo. Ao vê-los quase caí no choro, mas me contive, pois teria que prestar bastante atenção a partir de agora.
— É cara, você é um tremendo vacilão... GABRIEL! A decisão agora é sua.
Lorenzo ficou imóvel no local que Théo o deixou. Pablo permaneceu sentado e Gabriel resolveu aparecer. Posicionou-se atrás de mim, fitou Lorenzo por alguns segundos, olhou ao redor e começou a rir.
— Como é que você pode ser tão ingênuo? COMO!
— O que você quer dizer com isso? – Lorenzo perguntou sinicamente, segurando algo no bolso da jaqueta.
— VOCÊ ACHA MESMO QUE É BOM NÃO É? Qual foi a condição imposta? HEIN? Tudo bem, não me importa mais. Quem vai pagar pelo preço é você. Retire a arma do bolso e jogue-a para cá. AGORA!
Enzo fez o que lhe foi determinado. Eu podia ver claramente sua expressão de ódio e medo, mas ele não iria deixar algo a mais acontecer. Olhei ao meu redor e vi a sombra de duas pessoas atrás dele. Quem poderia ser? Nicholas e Miriam? Acho que não! Mais fácil serem policiais. Quando a arma dele atravessou o Templo a minha dúvida foi retirada. Eram mesmo Nick e Miriam, ambos armados e mirando em Gabriel.
— O que vocês preferem? O jeito certo ou o meu jeito? – Nicholas perguntou.
— Larga a arma se não eu atiro! – Miriam disse em um tom autoritário e sexy que fez Gabriel desviar a atenção para ela. – Eu mandei largar a arma!
— Poupe sua beleza, cara Miriam! E, Nicholas, cale-se. – Ele ordenou, apontando a arma para minha cabeça. – Onde está o dinheiro Lorenzo?
— O dinheiro não importa! Ninguém negociou o valor.
— É. Você não cumpriu com sua parte, acho que agora eu tomo as decisões por aqui. Sinto muito Lorenzo.
Gabriel puxou o gatilho e atirou em minha nuca. Antes de tudo escurecer vi apenas Enzo ajoelhado chorando, Pablo gritando com Gabriel e Théo apavorado. Realmente, a vida é curta para algumas pessoas...

0 comentários:

Postar um comentário

BlogBlogs.Com.Br